Pense duas vezes antes de seguir os conselhos daquele amigo que fica mais próximo quando você está mal. Fique atento quando deitar no divã daquele analista que não faz cerimônia e diz como você deve agir. Seja menos condescendente com sua mãe, sempre pronta a fazer sacrifícios voluntários por você. Cartão vermelho para o marido que realiza todos os desejos da mulher, antes mesmo que ela os tenha. Esses comportamentos, que nos parecem tão familiares e generosos, podem ser exemplares de um dos males menos divulgados de nossa sociedade, fonte de grande sofrimento para uma parcela considerável da população - a co-dependência. O termo, pouco conhecido, define a síndrome das pessoas que só sabem estabelecer relacionamentos baseados em problemas.
No Brasil, grupos de Co-dependentes Anônimos (Coda) já existemem vários Estados. O Coda surgiu aqui há cerca de uma década, trazido dos Estados Unidos. Apareceu como um filhote de outros grupos de 12 passos, que reuniam familiares de dependentes de drogas e álcool. Logo vieram outros co-dependentes, cujas histórias de dor não tinham a ver com vício, mas com a natureza doentia das relações que viviam. Um dos primeiros psicólogos a tratar a co-dependência no Brasil, Vicente Parizi falou a ÉPOCA.
ÉPOCA - O que é um co-dependente?
Vicente Parizi - É a pessoa que desenvolve relações baseadasem problemas. São relações pouco saudáveis, em todas as esferas. O foco está sempre no outro e o vínculo não é o amor ou a amizade, mas a doença, o poder, o controle. No fundo, o co-dependente acredita que pode mudar os outros e seus relacionamentos são criados não com a perspectiva de respeitar as pessoas, mas de ensinar o que acredita ser melhor para elas. O co-dependente é motivado pelo desejo de transformar o outro - e mandar nele.
ÉPOCA - Pode dar um exemplo?
Parizi - Um caso clássico é o da mulher que casa com um alcoólatra, segura de que pode ajudá-lo a parar de beber. Só que ele só vai parar se ele próprio quiser. Essa mulher entra nesse casamento porque provavelmente tem um histórico que a torna dependente da 'adrenalina' que experimenta na relação. Ela melhora sua auto-estima sentindo-se necessária para o marido. Ele, por sua vez, nunca vai se livrar do vício enquanto se escorar nela. O vínculo desse casal não é o amor, mas a doença que eles têmem comum. Há toda uma dinâmica em torno do vício.
ÉPOCA - O mesmo vale para pais e irmãos de viciados, por exemplo?
Parizi - Quando você analisa os casos de dependência, percebe que, além da predisposição genética, existe a disfuncionalidade da família. As duas coisas se somam, mas não dá para saber qual é a causa. Se houver predisposição genética, mas a família for saudável, pode ser que o vício não se desenvolva. Numa família saudável ninguém usa drogas ou abusa de álcool. Também sabemos que o viciado só vai se curar se a família inteira entrarem tratamento. Ou , em outra hipótese, se ele se distanciar emocionalmente da família.
ÉPOCA - Sempre existe algum dependente de drogas ou de álcool na vida de um co-dependente?
Parizi - Não necessariamente. Na família de um viciado, todos são co-dependentes, mas nem todo co-dependente tem um viciado na família. Fica mais fácil enxergar a síndrome quando existe o vício, mas o problema é muito mais amplo do que isso.
ÉPOCA - E como a co-dependência se manifesta quando não está associada ao vício?
Parizi - Em relações neuróticas de qualquer natureza: entre pais e filhos, marido e mulher, namorados, chefe e subalterno, entre amigos, até mesmo entre um terapeuta e seu paciente. Aquele amigo que todo mundo gosta de consultar quando tem um problema pode ser um co-dependente. Ele adora dar conselhos e sempre começa com a clássica frase 'Se eu fosse você...'. Esse conselho não é bom. Ele não é você e o que é bom para ele provavelmente não será bom para você. Ele não está respeitando a sua personalidade nessa conversa, está tentando fazer você agir como ele, transformá-lo. Enfim, são relações de poder que descambam para o controle. O co-dependente joga o foco na outra pessoa, faz muito por ela e pouco por si. Não porque seja altruísta, mas porque se acha onipotente. Controlando a vida de outra pessoa, ele acredita que a dele estará sob controle também. O codependente tem muito medo de ficar sozinho, por isso faz tudo para garantir afeto e se sentir indispensável - até mesmo alimentar a fraqueza alheia.
ÉPOCA - Como?
Parizi - Há o caso de uma mulher co-dependente, casada com um viciadoem cocaína. Toda vez que ele melhorava, ela se desestruturava completamente e a relação entrava em crise. Ela tinha medo de perdê-lo se ele não precisasse mais dela para lutar contra o vício. Uma vez ela se jogou no chão, diante da porta, para impedir que ele saísse de casa.
No Brasil, grupos de Co-dependentes Anônimos (Coda) já existem
ÉPOCA - O que é um co-dependente?
Vicente Parizi - É a pessoa que desenvolve relações baseadas
ÉPOCA - Pode dar um exemplo?
Parizi - Um caso clássico é o da mulher que casa com um alcoólatra, segura de que pode ajudá-lo a parar de beber. Só que ele só vai parar se ele próprio quiser. Essa mulher entra nesse casamento porque provavelmente tem um histórico que a torna dependente da 'adrenalina' que experimenta na relação. Ela melhora sua auto-estima sentindo-se necessária para o marido. Ele, por sua vez, nunca vai se livrar do vício enquanto se escorar nela. O vínculo desse casal não é o amor, mas a doença que eles têm
ÉPOCA - O mesmo vale para pais e irmãos de viciados, por exemplo?
Parizi - Quando você analisa os casos de dependência, percebe que, além da predisposição genética, existe a disfuncionalidade da família. As duas coisas se somam, mas não dá para saber qual é a causa. Se houver predisposição genética, mas a família for saudável, pode ser que o vício não se desenvolva. Numa família saudável ninguém usa drogas ou abusa de álcool. Também sabemos que o viciado só vai se curar se a família inteira entrar
ÉPOCA - Sempre existe algum dependente de drogas ou de álcool na vida de um co-dependente?
Parizi - Não necessariamente. Na família de um viciado, todos são co-dependentes, mas nem todo co-dependente tem um viciado na família. Fica mais fácil enxergar a síndrome quando existe o vício, mas o problema é muito mais amplo do que isso.
ÉPOCA - E como a co-dependência se manifesta quando não está associada ao vício?
Parizi - Em relações neuróticas de qualquer natureza: entre pais e filhos, marido e mulher, namorados, chefe e subalterno, entre amigos, até mesmo entre um terapeuta e seu paciente. Aquele amigo que todo mundo gosta de consultar quando tem um problema pode ser um co-dependente. Ele adora dar conselhos e sempre começa com a clássica frase 'Se eu fosse você...'. Esse conselho não é bom. Ele não é você e o que é bom para ele provavelmente não será bom para você. Ele não está respeitando a sua personalidade nessa conversa, está tentando fazer você agir como ele, transformá-lo. Enfim, são relações de poder que descambam para o controle. O co-dependente joga o foco na outra pessoa, faz muito por ela e pouco por si. Não porque seja altruísta, mas porque se acha onipotente. Controlando a vida de outra pessoa, ele acredita que a dele estará sob controle também. O codependente tem muito medo de ficar sozinho, por isso faz tudo para garantir afeto e se sentir indispensável - até mesmo alimentar a fraqueza alheia.
ÉPOCA - Como?
Parizi - Há o caso de uma mulher co-dependente, casada com um viciado
Viciados em sofrer
Paula Mageste
Paula Mageste
ÉPOCA - Quem é a vítima nesse tipo de história? Parizi - Existe uma alternância de papéis, um se alimenta do outro, mas o co-dependente sofre desesperadamente. Ele se mede pelo sentimento do outro em relação a ele, como uma criança faz com seus pais. A pessoa se sente incompleta sem o outro, busca no outro o que lhe falta. Há expressões típicas usadas pelos co-dependentes: 'Fulano é minha cara-metade', 'Fulana é minha alma gêmea' ou 'o ar que eu respiro'. ÉPOCA - E como essa síndrome se desenvolve? Parizi - O co-dependente vem de uma família disfuncional e sofreu algum tipo de abuso na infância: mensagens controversas emitidas pelos pais, abuso físico e assim por diante. Essas mensagens controversas são aparentemente inocentes, mas fazem grande estrago. São coisas do tipo 'estou batendo em você porque o amo'. Dá um nó na cabeça da criança, e ela inconscientemente associa o amor à violência física. A co-dependência também se apresenta em adultos que, quando jovens, presenciaram situações de conflito entre familiares ou eram usados por um dos pais para obter coisas junto ao outro.
Parizi - A tradição judaico-cristã estimula o altruísmo, o sacrifício e a culpa em todos, independentemente do sexo. Mas nossa cultura exerce uma pressão muito grande para que a mulher assuma papéis que, se extremados, podem levar à co-dependência. Ela é criada para ser mais doadora, mais maternal, e isso a deixa mais suscetível. ÉPOCA - Estamos falando de pessoas que priorizam o outro. Ao mesmo tempo, nossa sociedade é extremamente individualista. Parizi - Sim, mas prega o eu de forma equivocada, desequilibrada, sem respeito nenhum pelo alheio. 'Vale tudo para eu me dar bem, até mesmo passar por cima do outro.' ÉPOCA - Como identificar um co-dependente? Parizi - É alguém controlador, exigente consigo mesmo e com os outros, com baixa auto-estima, minucioso, rígido, com dificuldade de perdoar e compreender, muito crítico mas refratário a críticas. ÉPOCA - São características comuns a muita gente… Parizi - Sim, crescemos ouvindo e fazendo essas coisas. Todo mundo reconhece esses comportamentos. Mas é preciso avaliar quantos desses sintomas a pessoa tem, em que intensidade e com que freqüência. É isso que faz a diferença entre uma pessoa que se preocupa com os outros e um co-dependente. É como o fetichismo, por exemplo. A pessoa pode gostar de uma mulher com determinada peça de roupa, mas não ser necessariamente um fetichista, alguém que só consegue se excitar se a pessoa desejada vestir a peça.
Parizi - Psicoterapia, em consultório, e também no grupo Co-dependentes Anônimos. No consultório, tenta-se resgatar a criança que foi ferida na família disfuncional. No grupo, lida-se com a culpa e a vergonha. O co-dependente não é criticado. Ao contrário, vê que há várias pessoas como ele. Assim, não se sente isolado e consegue melhorar sua auto-estima. ÉPOCA - Há cura? Parizi - Sim, porque é uma síndrome emocional, diferente do vício em drogas, em que geralmente há uma dependência física. No entanto, as pessoas só admitem a doença quando a vida fica inadministrável. |
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